Perkins&Will São Paulo
Faz 12 anos que começou a trajetória da Perkins&Will São Paulo, um início, no entanto, que não pode ser contado do zero. Pois a história do escritório decanta aprendizados remotos, vindos das carreiras do trio de sócios – e dos seus ex-sócios – que comandam o escritório, os arquitetos Lara Kaiser, Fernando Vidal e Douglas Tolaine, e das realizações e obstinação pela excelência da empresa originária dos Estados Unidos, a Perkins&Will, em que imergiram nesse tempo. Atualmente, estão sendo desenvolvidos pela unidade brasileira da multinacional cerca de cem projetos, tanto de centros de saúde quanto edifícios educacionais, residências e edificações, entre outros, concebidas para um mercado imobiliário onde a arquitetura é muito mais do que fachada.
O trabalho na Perkins&Will
M.O.D: o trio de sílabas contém as iniciais, em inglês, para atribuições de Fernando Vidal, Lara Kaiser e Douglas Tolaine na condução da unidade paulistana, e única do hemisfério sul, da Perkins&Will, empresa de arquitetura nas suas mais diversas escalas e tipologias, originária de Chicago, nos Estados Unidos, mas atualmente com 32 unidades distribuídas pelas Américas, Europa e China, onde atuam cerca de 2,7 mil colaboradores. Há um conjunto da ordem de 140 sócios principais da empresa, globalmente, que, por sua vez, está vinculada desde 1986 à igualmente colossal Sidara – denominação atual da Dar Al-Handasah Consultants, originária do Líbano e autora e/ou consultora de projetos e construções nas áreas de engenharia, arquitetura, planejamento, meio-ambiente. Fernando, Lara e Douglas são parte do seleto time de sócios principais da Perkins&Will e, simultaneamente, o trio de sócios que comanda a Perkins&Will São Paulo, composta atualmente por 90 profissionais associados.
M (management), para Fernando Vidal, se refere à responsabilidade que assumiu de gerenciar a unidade paulistana da empresa. O (operating), para Lara Kaiser, menciona o seu papel de líder operacional do escritório, enquanto que o D, de Douglas Tolaine, fala da supervisão geral que faz do design dos projetos brasileiros: aproximadamente 100 em desenvolvimento ou construção nesse momento, 35% dos quais fora de São Paulo, isso mencionado para referir o movimento de expansão nacional que vem sendo realizado pela Perkins&Will São Paulo. Além dos trabalhos de M.O.D. cada um dos sócios lidera setores específicos do escritório: Lara a área de saúde, Fernando interiores corporativos, educacionais e residenciais e Douglas projetos junto ao mercado imobiliário e outras edificações.
A expressão “glocal” é usada por eles para referir o tipo de mediação entre o global e o local que embasa o cotidiano da empresa, tanto em termos organizacionais e operativos quanto de design. Por um lado, há metodologias e processos que equiparam o trabalho dos vários estúdios, o seus planejamentos, finanças, diretrizes éticas, ferramentas e processos de desenvolvimento dos projetos, mas por outro, é preciso confrontar a todo momento tais diretivas com o cenário brasileiro, numa tácita tensão entre a excelência nos níveis mundial e local.
Há a contínua autoavaliação de desempenho. Conforme as lideranças que realizam no Brasil, portanto, Fernando, Lara e Douglas participam de encontros anuais com os respectivos líderes globais a fim de discutir acertos e aperfeiçoamentos necessários no trabalho, com modelos e diretrizes estruturantes, como a da sustentabilidade por exemplo, contendo determinações concretas de condutas a seguir. Embora a grande diversidade de projetos concebidos nas 32 unidades da empresa, tanto em termos de tipologias quanto de escalas e contextos, um dos objetivos é afinar a engrenagem Perkins&Will mundo afora, de modo a criar uma base comum onde a produtividade é entendida não no estrito sentido do retorno financeiro, mas no da ideal relação entre conhecimento empregado e resultado obtido, com vistas à inovação. Uma mensuração complexa, tratando-se de uma atividade, a arquitetura, com soluções não totalmente replicáveis.
Depreende-se dos depoimentos do trio de sócios, no entanto, que a vivência da cultura global da Perkins&Will não se restringe aos cargos de liderança, ela perpassa o cotidiano do conjunto dos profissionais da empresa. Com a rede interna de dados e comunicação é possível conhecer os projetos em desenvolvimento mundo a fora e convidar ou consultar colegas de outros países para a vista de um trabalho em desenvolvimento – quanto antes isso acontece, assinala Lara, mais facilmente se incorporam eventuais críticas ao projeto – ou para a conformação das equipes. A remuneração dos projetos da Perkins&Will, assinala Fernando, não é um automático derivado do objeto em si, ou seja, não corresponde à percentual de metragem ou de valor de venda das construções. Ao contrário, é uma métrica do conhecimento aplicado no seu desenvolvimento.
A Perkins&Will inscreve trabalhos em premiações de arquitetura – em 2023, por exemplo, o projeto do Kaiser Borsari Hall, em fase final de construção na Western Washington University, recebeu a medalha de bronze da seção América do Norte do Holcim Award – e tem projetos divulgados em publicações tanto da mídia geral quanto da especializada, como o leitor vem acompanhando aqui na PROJETO, mas igualmente importantes são os ritos internos de análise e distinção, seja de obras prontas ou de projetos em desenvolvimento. Trabalhos de todas as 32 unidades podem concorrer às bienais e destaques, por vezes tornados públicos ou realizados com a participação de profissionais externos à empresa, mas sempre abertos ao envolvimento dos colaboradores e dos líderes, de modo a alargar dentro da própria empresa o conhecimento das suas melhores realizações e valores. É a tal potente – porque grande, multifacetado e preciso – universo criativo que pertence a Perkins&Will São Paulo, a cujo histórico nos atemos nos parágrafos a seguir.
Em direção à Perkins&Will São Paulo
Desde 2012, ano da aquisição do escritório Rocco, Vidal + arquitetos pela Perkins&Will, ocorreram fases sequenciais em direção à consolidação do que viria a se chamar Perkins&Will São Paulo. A origem remota da fusão das empresas é 2010, com o interesse da multinacional em implantar uma base no Brasil ecoando um movimento mais abrangente, contrastante com a crise financeira mundial iniciada em 2007, de escritórios estrangeiros desejosos de trabalhar no país no promissor contexto dos projetos infraestruturais e de grande escala a serem desenvolvidos para a realização dos eventos mundiais de 2014 e 2016, a Copa do Mundo Brasil e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Do outro lado da moeda, na sua trajetória de quase 30 anos naquele momento, contados a partir do início da vida profissional de Luiz Fernando Rocco em 1980, o então escritório Rocco, Vidal + arquitetos vivia período de transição. Societária – em anos distintos, haviam se desligado da sociedade os arquitetos Eduardo Brandileone e Vasco Lopes; Fernando Vidal se tornara sócio de Rocco em 2001 e Douglas Tolaine ingressara na equipe em 2005, juntando-se depois à sociedade de Rocco com Vidal – mas também na prática arquitetônica e de gestão. A crescente diversificação do acervo de criações, primeiro com os interiores corporativos incorporados ao histórico de projetos de residências unifamiliares e edificações especiais de pequena escala, depois com o incremento de projetos para o mercado imobiliário, com Otávio Zarvos entre os clientes, era acompanhada pelos esforços de Fernando e Douglas em direção à qualificação do gerenciamento do escritório.
A Perkins&Will não foi a única a propor parceria ao Rocco, Vidal + arquitetos nos idos de 2010, e tampouco sondou a empresa paulista exclusivamente. Cada qual do seu ponto de vista interessada em ampliar seus horizontes de trabalho, foi na ligação a longo prazo que se ativeram para decidir pela fusão das empresas. Para Luiz Fernando Rocco o movimento foi menos duradouro – em 2015, o arquiteto se desligou da empresa, vendendo a sua participação na sociedade – mas para Fernando e Douglas foi o início do ápice do que desejavam para as suas carreiras.
Cotejar realidades paralelas é inato a Fernando Vidal. A decisão por cursar arquitetura, por exemplo, que realizou no Centro Universitário Belas Artes, de São Paulo, foi tomada após investigar a sério a possibilidade de estudar publicidade, e o prematuro início do estágio no primeiro ano da graduação – já com Luiz Fernando Rocco – deu a ele a visão comparativa da vida acadêmica com a profissional e, consequentemente, o benefício do trânsito entre ambas. “Me formei em 1997 e permaneci trabalhando com Rocco. Ele sempre me deu muita abertura profissional, em uma relação de troca de conhecimentos e buscas. Sempre somamos em experiência e inquietudes”, depõe o arquiteto. Por dois anos, a partir de 1998, tal liberdade permitiu que Fernando trabalhasse simultaneamente com um amigo, o arquiteto Kiko Salomão. A experiência, baseada na concepção de projetos de interiores corporativos, evoluiu para os convites paralelos de sociedade com cada arquiteto, até que Fernando decidiu tornar-se sócio de Fernando Rocco, Eduardo Brandileone e Vasco Lopes. “Procurei levar para o escritório a experiência do pragmatismo e gestão dos projetos corporativos. Metodologia e processo, sem perder a magia da arquitetura. Novo passo do nosso interesse por conciliar tradição com inovação”.

A Douglas Tolaine pertence o perfil irrequieto, como menciona o próprio arquiteto, e a propensão a aceitar desafios assumindo a frente de situações complexas. Traços seguramente relacionados à liberdade de vivenciar a cidade como extensão da própria casa – nascido no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, passou a infância e a juventude em área periférica da capital, o Parque Continental, onde a vida doméstica extravasava no ambiente público – e ao seu passado de jogador profissional de basquete, com o que chegou a defender o Brasil em competições internacionais. Se viu constringido a abandonar a atividade para seguir os estudos na Universidade Paulista, onde se graduou arquiteto e urbanista em 1995, profissão que entendeu mais longeva do que a carreira de atleta. Assim como Fernando, também Douglas começou a estagiar cedo, mas adotando estratégia diferente do seu atual sócio. “Queria vivenciar a arquitetura em toda a diversidade para decidir pelo meu próprio caminho. Aos 22 anos, o plano era não passar mais do que um ano em cada escritório”, nos relata, o que ocorreu em empresas de concepção de residências de alto padrão, depois de interiores e paisagismo, de planejamento hospitalar… “Trabalhei com Lauro Miquelin enquanto desenvolvia o meu TGI, sobre hospitais, e fui me interessando ora por metodologia, ora por processos, ora pelo design em si”, assinala o arquiteto.
Por volta dos 27 anos, após um período nos Estados Unidos dedicado ao estudo do inglês, ingressou no escritório de Fernando Iglesias, inicialmente participando do projeto de expansão do Hospital Samaritano. Paralelamente, Iglesias assumiu o encargo de conceber o restaurante A Figueira Rubaiyat, no bairro dos Jardins, cujo escritório de canteiro de obras foi vivenciado por dois anos por Douglas desde que assumiu a liderança do projeto após a saída do arquiteto Sergio Casas da equipe. “Criamos absolutamente tudo, da arquitetura ao mobiliário, às luminárias”, depõe, creditando à experiência do desenho refinado o posterior convite (aceito) de Ricardo Julião para participar da criação da Lemann Art Center, da Graded School, em São Paulo. No entanto, “desde as pesquisas de estudante, o Rocco aparecia como uma inspiração para mim”, dá pistas Douglas do passo seguinte ao seu desligamento do escritório de Ricardo Julião, intermediado por um curto período de trabalho em uma construtora. “Foram seis ou sete entrevistas, só entendi a situação tempos depois: era o período do desligamento de outro sócio [Vasco Lopes] e, em contrapartida, da aceleração no escritório dos projetos junto ao mercado imobiliário. Eu tinha me qualificado em edifícios especiais, pouco conhecia de legislação urbanística ou de mercado imobiliário, mas assumi essa área de edificações”, comenta, sinalizando os três anos vindouros, de muito empenho a um novo tipo de trabalho na sua trajetória. “Consegui corresponder à altura do desafio, fui o único dos outros quatro coordenadores que entraram comigo a permanecer no escritório. Percebemos que tínhamos muita em comum e, em 2008, veio o convite para me tornar sócio do Rocco e do Vidal”. Dois anos se passaram até que, então, o destino da Rocco, Vidal + arquitetos começasse a mudar, definitivamente.

Projetos complexos e a voz feminina
Responsável pelos projetos da área de saúde na Perkins&Will São Paulo, Lara Kaiser é de família de arquitetos e médicos. Frequentadora na infância de obras encabeçadas pela mãe arquiteta, era à medicina que sonhava se dedicar mas, em vez de prestar um segundo vestibular na área, acabou acolhendo os conselhos a favor da valorização de sua aptidão inata para os espaços e materiais e ingressou no Centro Universitário Belas Artes, onde se formou arquiteta e urbanista em 1995 – dois anos antes de Fernando Vidal. Como era de se esperar, o seu trabalho final de graduação propunha a criação de um hospital, infantil, e a explanação extra-curricular do projeto a aproximou de Jarbas Karman, com quem estagiou e trabalhou até 2001, seguido por triênios de atuação na Bross Consultoria e Arquitetura e na Khan do Brasil. Decidiu, então, cursar mestrado em planejamento estratégico e gestão e, já habituada com a vertente americana da concepção de hospitais, preferiu mergulhar na cultura europeia na área. Foi para Londres em 2006, onde viveu por sete anos, quase todos trabalhando na Avanti Architects em projetos arquitetônicos e de planejamento de centros de saúde de grande escala. “Cresci profissionalmente dentro do escritório”, reflete, mencionando em contrapartida os efeitos negativos da crise financeira de 2008 nas atividades do grupo: “passamos de 150 para 70 profissionais. Olhar para os países emergentes era uma saída”, relata a arquiteta os intercâmbios que fez para a divulgação no Brasil da expertise londrina em arquitetura hospitalar e para a busca de oportunidades de trabalho no seu país de origem, seja junto a escritórios de arquitetura, hospitais, seguradoras médicas ou com vistas a parcerias público-privadas. “Conseguimos um projeto robusto [de modernização e ampliação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas] e, assim, surgiu a necessidade de abrir escritório no Brasil. Quem veio [em 2012]? A brasileira!”, ela descontrai, sublinhando porém ter-se tratado de uma oportunidade imperdível. Não apenas no sentido da qualidade dos projetos que se descortinavam no horizonte mas também por causa do tipo de atuação requerida: “tive a verba e a liberdade total para desenvolver o plano de negócios. Foi uma experiência muito intensa e abrangente, que me fortaleceu para conquistar a posição que tenho hoje [na Perkins&Will]”.
Por causa da inversão de rota econômica dos países – “já em 2012, o Brasil começou a imbicar enquanto Londres voltou a decolar”, sintetiza Lara -, no final de 2015 a arquiteta teve que decidir entre seguir sozinha com a responsabilidade pela filial brasileira da Avanti Architects ou confirmar o fechamento da empresa no país, o que de fato aconteceu. Naquele momento, a fase dura da fusão da Rocco, Vidal + arquitetos com a Perkins&Will, prevista em contrato, estava chegando a bom fim, com os resultados positivos obtidos após três anos de equacionamento de metodologias e processos de trabalho e gestão. “Globalmente, 65% dos projetos da empresa são na área da saúde, então, havia o interesse de conquistar esse mercado também no Brasil. O diretor americano de operações [da transição para a Perkins&Will São Paulo] estava voltando para os Estados Unidos quando a empresa fechou o contrato do Einstein [Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, design de Safdie Architects, interiores e projeto executivo da Perkins&Will]. Tudo se encaixou e eu entrei para o escritório”, relata Lara.
Conquistas
Em uma análise imediata, a fusão da Rocco, Vidal + arquitetos com a Perkins&Will foi arriscada. Se, por um lado, era possível prever o árduo caminho de equiparação do funcionamento do escritório paulista com as metodologias e modelos globais de gestão e trabalho, por outro, menos previsível era a prontidão, profundidade e abrangência da crise brasileira iniciada já no ano mesmo da assinatura do contrato de união das empresas, em 2012. A engrenagem estava afinada – “somos criadores de soluções”, declaram cada qual em seu tempo mas em uníssono os sócios Fernando, Lara e Douglas a motivação que têm de atuarem além de qualitativamente, estrategicamente na concepção dos projetos – mas com potencial aquém de utilização.
As primeiras obras que publicamos da então RoccoVidal Perkins + Will, em 2015, foram o Museu A Casa, edificado em terreno de difícil ocupação no bairro de Pinheiros, em São Paulo, por causa da confluência da relativa pouca área com a forma triangular do terreno e a sua topografia acidentada transversalmente, e o Instituto Dona Ana Rosa, em muito afeitos à escala mais contida e graça que, ainda presentes nas realizações da empresa, lembram a arquitetura prévia do escritório paulista. Já com publicações de 2020 em diante, como do edifício de uso misto, River One, do edifício residencial Oscar Ibirapuera, do também residencial, edifício Bambu Atmosfera, da Escola Bilíngue Pueri-Domus Unidade Perdizes, do edifício corporativo Waldyr Beira e, claro, do Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Campus Cecília e Abram Szajman, com concepção criativa de Safdie Architects, para citar alguns exemplos marcantes, menciona-se o crescimento de escala, complexidade e porte de projetos, correspondente ao aumento da “musculatura” do escritório, como verbalizado por Douglas mas citado também por Lara e Fernando. No mercado imobiliário, parece que a crise iniciada em 2012 é assunto do passado.
Pertencendo a arquitetura a um sistema (cultural, social, político, econômico, tecnológico …), no entanto, não se trata de uma relação direta de esforços realizados e resultados alcançados, nem de uma quebra de paradigma nos históricos de trabalho do trio de sócios que comanda a Perkins&Will São Paulo. Cada novo passo dado com os seus projetos tem o DNA de valores que vêm perseguindo na sua atuação, o que se faz fazendo o melhor que se pode, na arquitetura. (Por Evelise Grunow)

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